quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Carta a minha avó




Foi eterno enquanto durou.


Foram cinqüenta e oito anos juntos.
Da para imaginar o quanto de vida existiu nessas vidas?

Ela tinha dezesseis anos quando lhe entregam a ele.
Ele, no auge dos seus 20 anos. Loiro, dos olhos azuis de céu. Um típico galão hollywoodiano.


Ela era uma menina. Uma linda menina morena e faceira.
Mas uma menina.
Não haviam lhe ensinado sobre quase nada.
Tinha o sonho de ser médica. Tinha dom e paixão por tal.
Deram-lhe um véu.
Ela casou
Logo veio uma boneca viva
Deram-lhe o nome de Anchella
Em homenagem a sua avó materna, que a menina não conheceu.
Alva que nem o Pai
Seria então a sua grande companheira
A mãe menina passeava com a sua menina
Brincava, alimentava, cantava para ela dormir

Fumava seus cigarros nas horas vagas
Sonhava e sonhava

O marido chegava tarde. Queria o jantar, pedido atendido
Queria amor, tinha de bandeja
Eram três.

Logo depois veio outra boneca. Uma boneca morena e sensível, que lhes deram o nome de Rejane.
Exigia mais cuidados, mais atenção.
A mãe menina queria chorar, queria colo, queria dançar até cansar
Mas não podia
Tinha que lavar fralda, cantar, balançar.
Entendia então que a sua missão chamava-se cuidar
E fazia isso com todo o afinco
Não reclamava
Buscava naquelas atividades diárias, divertimento
Inventava brincadeiras, canções
Era feliz.

Tempos depois...
Mais uma semente!
Ganhou o nome de Marcos
O primeiro e único filho homem
Muito apegado a mãe
Costumava passar a mão pesada em sua testa
Dizendo que a sua enxaqueca ia passar.
Foram anos de muita luta
O marido preso. As condições financeiras péssimas.
A falta de notícia.
E Salete, a mãe menina, mesmo com toda a dor, tornava feliz a vida dos seus filhos.
Ela sempre teve muito amor no coração.
Mudaram de casa.
Moraram em uma onde havia um rio no quintal
Em outra tiveram uma noite de Natal com muita dificuldade. A ceia foi servida em cima de uma caixa.
Mas eles se mantinham fortes.
Casal jovem, bonito e com muita coragem de enfrentar a vida.
Foi então que veio mais uma sementinha para completar a turma.
Ganhou o nome de Sara
Que significa “princesa”
Não há nome melhor.
O tempo desgastou a vida a dois.
Ele enlouquecera.
Já não era mais o Henrique cheio de vida
O ciúme doentio havia lhe transformado em um ser ríspido.
Separaram-se
A dor foi repartida em duas partes
Iguais
Ambos pensam que sofrem mais que o outro
Enganam-se

Ele cala em si a dor
Ela expande a dor

Difícil retomar a vida após anos caminhando juntos, mesmo com todas as divergências, porém não se deve continuar andando para trás.
Foi um fim necessário.
Para terminar vou usar Chico Buarque: “Porque não há nada sem separação. A vida tem sempre razão”.

Um comentário:

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Querida amiga.

Apesar da história pessoal,
imagino a dor de quem foi personagem dela.
Não fomos feitos para separar.
Separar traz em si uma dor incomparável.
Dor da alma.
Dor do coração.

Uma semana de paz para ti.

Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria

Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria
Isso pra mim é viver!

Seguidores

Quem sou eu

Minha foto
Vou usar uma frase do Ferreira Gullar, que me define: " A vida sopra dentro de mim pânica, como a chama de um maçarico, e pode subitamente cessar ".